Thursday, April 28, 2005

O Teorema da Figueira

“O medo tomou conta de nós. O medo de Espanha. O medo do Leste. O medo da China. Por isso aplaudimos tudo aquilo que nos protege das ameaças. Sem perceber que as atitudes defensivas, além de estúpidas, formam o caminho mais certo para o suicídio.”
Sérgio Figueiredo
Jornal de Negócios , 27-04-05

in “ Diz-se”, Público, 28 de Abril de 2005.

O comentário tornou-se hábito entre nós e instalou-se como um programa permanente, na nossa “rom” política e jornalística. A manifestação opinativa declarou-se como método universal à revelia da inteligência e afectividade do público-alvo.
Já há algum tempo que Sérgio Figueiredo me suscitava ambivalências, quer lido, quer ouvido. Ambivalências, por causa da extrema correcção e por aquela ideia de que “ali falta qualquer coisa”, na apresentação dos seus raciocínios.
Pretendendo ordenar estas linhas com uma contextualização honesta sobre quem as escreve, começo pela última ideia desta ambivalência.

“Ali falta qualquer coisa”.

A mim falta-me muito, desde dinheiro, “know-how” para muitas coisas, terminar projectos inacabados, projectar futuros, empreender desejos, lidar bem com passados e memórias incómodas... enfim, uma lista extensa de coisas que me faltam, já que sou simplesmente humano com defeitos e virtudes.
Ali, não sei ao certo o que falta, nunca soube, duvido que venha a saber, não sei quem é o fulano, de onde ele vem e para onde ele quer ir.
Por isto mesmo, não sei que valor dar aos seus juízos de valor.

“Extrema correcção”.

Sou frequentemente incorrecto. Admito-o e assumo-o plenamente que frequentemente, sê-lo, até me dá uma espécie de prazer catártico. Olho para os meus projectos dcínioe racio passados, e vejo erros, enganos, confusões e gralhas em alternância com momentos em que gosto, que me surpreendo ou que sinto gozo pelo que pensei.
Ali, os raciocínios são perfeitos, límpidos, engenhosos mas não em demasia, contidos mas incisivos, em suma.. do melhor.

A Teoria.

Entre variados debates em que Sérgio Figueiredo participou, recordo-me aqui concretamente daquele que colocou economistas e políticos dos diversos quadrantes, numa situação de análise aos resultados das eleições passadas de 20 de Fevereiro. Recordo-me dos diálogos entre Odete Santos e S. F. Chamo aqui também a minha memória da “entrevista” que efectuou mais recentemente a José Maria Aznar, e dos seus olhos vívidos em cada pergunta “correctíssima” que lhe endereçava.
Sérgio Figueiredo é um homo economicus . Tal como os seus opositores marxistas, pretende avaliar e ordenar a sociedade e a sua economia numa perspectiva científica em que as características afectivas e irracionais dos indivíduos não entram nas suas equações.
Afirmei diversas vezes que o Homem, no seu todo, não é de forma alguma um ser científico. Usa a ciência como método para buscar respostas às suas questões ancestrais, necessidades e gostos/luxos/sofisticações.
No texto que encima estas linhas, observa-se uma perversão: a aura de correcção científica a emitir valores. A palavra “estúpidas”, surge ali como a linha que nos permite desvendar este mistério humano que é Sérgio Figueiredo.

Teorema da Figueira.

Efectivamente, com os reduzidos dados que nos são dados, ali a brilhante comunicação economicista alterna-se com a emissão de juízos de valor de origem incerta e indefinida.
Com Odete Santos, a mão ia à cabeça por uma questão tão simples que gere os medos de qualquer pessoa comum: porque não são os salários mais elevados?
Com Aznar, ali não cabia nenhum espírito crítico, nem com “Prestige”, intervenção n Iraque ou a vergonhosa tentativa de colagem dos atentados de 11 de Março à ETA.
Os medos do senso comum são estúpidos, como ali são vaticinados.
Os empresários não se prepararam nestes 10 anos que antecederam a entrada da China na OMC, e agora cedem aos medos que os trabalhadores têm com as perspectivas de evolução de salários, se na melhor das hipóteses, não temerem pelos seus empregos.
Este é o Teorema da Figueira:
A economia, que funcione como uma máquina.
A sociedade, que funcione como uma máquina de apoio à economia.
Todos os problemas resolvem-se após os reajustes, concluímos por Sérgio Figueiredo.<br>Tudo o resto, são peanuts - pensará com os seus botões, estupidez - dir-nos-á publicamente.
Este é o resto da divisão onde não se incluem os afectos, os medos, as paixões ou a humanidade dele próprio. Ramos ressequidos e afastados de uma fonte que brote perto de uma qualquer figueira.

Corolário do Teorema da Figueira.
Gosto de ler comentadores, “opinion-makers”, fazedores de “sound-bytes” e opinadores diversos.
Mas estes também precisam de ser comentados, oh se precisam!

Nota: Concordo com as linhas gerais dos diagnósticos, constatações e observações de Sérgio Figueiredo. Não concordo, de facto, com os seus juízos de valor, sem causa explícita, pois não sei quem ele é, de onde ele vem e para onde quer ele ir, nem com a sua exasperação anti-pedagógica com questões tão essenciais tal como “porque recebem tão baixos salários muitos portugueses, tão altos salários poucos Portugueses e para onde têm ido os apoios comunitários, onde estão?” Por isto mesmo, quando lhe leio um juízo de valor ou emissão afectiva pergunto-me: “Porra, mas quem é este gajo?”.
Faça-nos um favor, Sr. Figueiredo: limite-se a ser a máquina que defende para todos, e deixe-nos em paz com os “peanuts”.

Demolhar.

Por vezes interrogo-me do conjunto de sentidos que a vida nos vai trazendo, aparentemente de forma linear, mas esta frequentemente rasgada pela ideia do sonho.
Esta ideia do sonho, vive ou revive durante o sono, mas igualmente assalta-nos a vigília.
O absorto caracteriza-nos externamente o momento em que perdemos a visão num qualquer vislumbre de algo além, ou aquém, do sensível. A subtileza é tal neste assalto, que facilmente é substituível por uma qualquer futilidade.

Esta água de demolha de bacalhau, transposta para fora de nós em materialização de atitude, é uma forma simplória de fuga ao compromisso, e queda em ideias gerais.
O abstracto dá a mão ao concreto, nesta solução aquosa de bacalhau, e torna-se muito fácil justificarem-se adjectivos como “confiança” ou “liderança”.
Esta sopa não fica completa, sem um pouco do verniz do verdete à bacalhau fora de prazo, que a redundância nos transmite.

Este “choque tecnológico” é uma boa ideia.
Não é uma boa ideia por causa de “ser bom para o país”. Esta solução aquosa de sal e bacalhau, não encerra por si só a causa, encerra sim uma redundância de um sujeito que nada tem de melhor para responder à expectativa exigente que nos envolve.
É uma boa ideia, sim, porque se tal choque se vier a verificar, trará consigo uma profunda alteração no “modus vivendi” dos nossos espécimes protegidos de safios, cartilagíneos das profundezas, que representam o nosso empresário/gestor-tipo. Tal profunda alteração terá que envolver também o estímulo dos assalariados do meio. Passar de acenos promissores para construir “hype” e “leadership” numa equipa de implementação, para objectivos concretos a atingir. Modificar esta vergonhosa “flexibilidade” dos recibos verdes, para uma maior responsabilização de ambas partes no alcances dos objectivos, de projecto a projecto, de empresa a empresa e de âmbito a âmbito.

É por isso que a extensão do argumento de que “é bom (...) porque é bom” é indesejável, e ter-se-á que se alterar rapidamente para uma relação causa/efeito nada fraudulenta.
E porque envolve tantos âmbitos específicos que nos interessam a todos, não só aos “nerds”/”cromos”, é urgente.

Se não, é mais uma eterna demolha esquecida numa bancada de cozinha desarrumada, com “chefs” e sem ajudantes, com pobres e cães à porta pelos restos e sem clientes e com tachos e sem pratos que é este nosso país.

Assim, sempre que o sonho nos rasga vigília, o estado absorto deve ser o menos duradouro. Deve ser apenas aquela fracção de segundo que separa a ideia da acção. A vida prolongada do estado absorto é uma demolha imensa....

Tuesday, April 26, 2005

Z.B.

Z.B. era um rapaz que conheci entre os nossos 6 e 10 anos.

Com a mesma idade que tínhamos então, note-se o pretérito perfeito, já que não sei se Z.B. ainda tem a mesma idade que eu, frequentávamos a mesma escola primária, a mesma aula e o mesmo professor.

Z.B. era de uma família recém-chegada do Norte, do Minho, creio, como tantas outras que migraram naquele fim de década de setenta.

Z.B. tinha um sotaque que rasgava todas as palavras que claramente denunciava a sua origem. Obviamente que era alvo das cruéis chacotas cuja mestria infantil acentuava a diferença.

Z.B. tinha outra particularidade. Era o único que naquela sala de aula chegava com segmentos de rectas oblíquas, de tonalidades azuladas ou arroxeadas, cheguei a contar mais de 10, cravadas nas suas costas.

Z.B. conhecia de facto e intimamente as texturas da mangueira, do cinto, ou do que fosse que ocorresse na mente do seu pai, sempre que havia necessidade de educar.

Z.B. foi-se tornando conflituoso, com o passar dos anos, na mesma medida em que o seu sotaque se ia reduzindo a um mero brilho em determinadas terminações de frase.

Durante alguns anos, nunca mais reencontrei Z.B. Separámo-nos na aula e na escola naquela transição que havia para o “ciclo preparatório que já não o era”, porque era unificado, mas ainda assim o era. Vá-se lá perceber estas coisas dos gabinetes do ME e da FENPROF., a quem Z.B então não interessaria: a uns porque não seria então um facto político, a outros porque Z.B. não contribuiria para a sucessiva justiça e aumento dos direitos dos trabalhadores com relativização de responsabilidades e diminuição do critério de talento necessário para ensinar. Tínhamos então 10 anos.

O facto é que em determinado contexto, reencontrei, ou penso que reencontrei Z.B.. Eram os meus 16 anos, e então fazia questão de ter amizades ou meramente “esferas de contactos” transversais que por vezes meandravam a marginalidade.

Em determinado momento vi ao longe Z.B. com a nota de mil escudos enrolada em canudo sobre uma folha de prata. Chegámos-nos a cruzar mas nunca arranquei o contexto para lhe perguntar “és o Z.B.”, pois o referido evitava e também o meu contexto de “passagem” não se demorou o suficiente para encontrar a oportunidade.

Mais tarde soube que “fazia” vivendas. Nunca nada mais soube.

Mas nunca me esqueci da violência da mangueira sobre aquele meu colega da primária em Cascais.

Algo muito distante do “refazer” que pretendem “Morangos com Açúcar” e outras novelas da TVI e não só, em que familiares se tratam por “você”. Lá onde as mangueiradas não entram, só pode ser uma fraude, e só por presunção ou manifesta reescrita da realidade, se caracteriza como “baseada” em algum ambiente real.

Mais uma vez encontramos a diletância entre a Aparência que se quer dar de algo, e o que realmente se sucede dentro de portas.

Mais uma vez se comprova as abordagens labregas que tão provincianamente fazemos à nossa realidade.

Z.B. fica aqui, como muitos fragmentos de memórias que possuo, de muitas pessoas e situações que surgem repentinamente, sabe-se lá porquê.

Talvez por muitos Z.B.'s não só por Cascais, como por todo o Portugal, que se iniciam na mangueira ou no cinto e acabam na nota de mil paus enrolada, ou talvez porque as minhas lembranças neste registo não se cinjam meramente a Z.B.

Wednesday, April 20, 2005

Que Seca!

... Expira-se e solta-se, “Que Seca!”. Não do ar à minha volta nem da fortíssima influenza que me influenciou a última semana.

É. Mesmo uma seca!

É de facto uma grande seca, não a que aflige os agricultores, certos aglomerados populacionais e a minha vontade de tomar duche no verão, mas sim ter-se apenas acesso aos canais disponíveis em antena física pendurada no telhado, e 50% destes transmitirem o casamento de Charles e Camilla.
Um destes canais apenas mantém a linha de continuidade com a sua programação geral, baseada no voyeurismo que a moderna solidão urbana suscita, confrontando-nos, a nós humanos, com o nosso passado cultural aldeão: em que tudo se sabia, em que a vida alheia se revivia preenchendo-nos os nossos próprios vazios.
Outro destes canais, que também dedicou grande parte da sua programação de Sábado ao casamento de Carlos e Camila foi a RTP1. Não caberá aqui a este texto a diligência de teorizar e exarar o cânone de Serviço Público de Televisão (SPT), pois outros textos porventura muito mais espertos, enquadrados e – principalmente - pagos para tal, já se terão encarregado disso. Quem quiser que os apanhe.

Ora aqui, a diligência regressa ao ar, à aparência. À forma como se tenta enquadrar a redenção deste par, nos vestidos dos convivas e nos looks e hypes visuais dos súbditos que atenderam à dita cerimónia.

O país assente há muito, quase um século, na matriz republicana vive os contos de fadas, dramas de corte e segredos de alcovas reais dos outros.

Se se desse em Portugal, este casamento seria o de (Car)Litos e da (Cami)Lita, de um qualquer Carlitos e Milita, ou um desses “nicks” tão queques como arrepiante na sua pretensa doçura que por cá se inventam. Já que por cá o “chique” anda de mão dada com a “escáfia” dos nomes que lhes inventam, folheie quem desejar uma qualquer revista cor-de-rosa, ou veja uma qualquer Quinta de ”Debutantes, Aspirantes & Reciclandos”.
Se estes “nicks” por cá reflectem o “bom” gosto dessa gente que nos faz meter a mão à cabeça pela sua originalidade, cultura, actualidade e universalidade (achei que ficava bem aqui, esta última palavra...), imagine-se o que seria se vivêssemos uma Monarquia: O rei seria o Ditinho (presumindo que seria o D. Duarte, porque tenho as minhas dúvidas) e a rainha, nesta sequência, seria a Belita (Isabel de qualquer coisa).
Se por um lado observamos estes nomes, observemos os visuais modificados frequentemente ao nível da faca para ocultar as Verdades Genéticas ou do Envelhecimento.

Dizem que para uma pessoa se sentir bem consigo própria, tem o direito de modificar as suas Verdades como bem entender, inclusive ao nível da faca.
Por mim tudo bem. Nem cá estou para julgar.
Mas com uma Sevícia Pública de Televisão destas, nesta seca de morte que se abateu sobre mim e que originou estas constatações, a minha opção no dilema é claríssima:

Cá para mim, temos é que nos sentir bem com os nossos próprios genes, não precisar de modificá-los ao sabor da relação entre o voyeurismo e o desejo de protagonismo, que nos é constantemente estimulada.

Seca seria viver sobre esse estigma e mesmo assim, às vezes dá-me para o juízo de valor, paciência! É, por vezes tão saborosa, esta contradição...

Enfim, postulando, uma coisa é deformarmos as nossas verdades, outra, é cuidarmos de nós próprios ou misturar esses mesmos nossos genes, isto sim, é outra história bem mais interessante...

 

Saturday, April 16, 2005

Ideias do Caraças (I)

“A forma como entornei a água do lava-loiça sobre a minha camisola, ou a mancha da irrealidade sobre a minha segunda pele.”

-> Descrição: Instalação de jovem e promissor artista de 45 anos;

-> Características: um único loop vídeo em 35 salas;

-> Local: Fundação perto de si.

 

“Nasci e morrerei”

-> Descrição: Documentário;

-> Características: Imagens e depoimentos quer na primeira quer na terceira pessoa tendo como foco a espantosa e ultra-inovadora corrente filosófica adjacente ao lema em título;

-> Local: TV do Estado.