Wednesday, April 20, 2005

Que Seca!

... Expira-se e solta-se, “Que Seca!”. Não do ar à minha volta nem da fortíssima influenza que me influenciou a última semana.

É. Mesmo uma seca!

É de facto uma grande seca, não a que aflige os agricultores, certos aglomerados populacionais e a minha vontade de tomar duche no verão, mas sim ter-se apenas acesso aos canais disponíveis em antena física pendurada no telhado, e 50% destes transmitirem o casamento de Charles e Camilla.
Um destes canais apenas mantém a linha de continuidade com a sua programação geral, baseada no voyeurismo que a moderna solidão urbana suscita, confrontando-nos, a nós humanos, com o nosso passado cultural aldeão: em que tudo se sabia, em que a vida alheia se revivia preenchendo-nos os nossos próprios vazios.
Outro destes canais, que também dedicou grande parte da sua programação de Sábado ao casamento de Carlos e Camila foi a RTP1. Não caberá aqui a este texto a diligência de teorizar e exarar o cânone de Serviço Público de Televisão (SPT), pois outros textos porventura muito mais espertos, enquadrados e – principalmente - pagos para tal, já se terão encarregado disso. Quem quiser que os apanhe.

Ora aqui, a diligência regressa ao ar, à aparência. À forma como se tenta enquadrar a redenção deste par, nos vestidos dos convivas e nos looks e hypes visuais dos súbditos que atenderam à dita cerimónia.

O país assente há muito, quase um século, na matriz republicana vive os contos de fadas, dramas de corte e segredos de alcovas reais dos outros.

Se se desse em Portugal, este casamento seria o de (Car)Litos e da (Cami)Lita, de um qualquer Carlitos e Milita, ou um desses “nicks” tão queques como arrepiante na sua pretensa doçura que por cá se inventam. Já que por cá o “chique” anda de mão dada com a “escáfia” dos nomes que lhes inventam, folheie quem desejar uma qualquer revista cor-de-rosa, ou veja uma qualquer Quinta de ”Debutantes, Aspirantes & Reciclandos”.
Se estes “nicks” por cá reflectem o “bom” gosto dessa gente que nos faz meter a mão à cabeça pela sua originalidade, cultura, actualidade e universalidade (achei que ficava bem aqui, esta última palavra...), imagine-se o que seria se vivêssemos uma Monarquia: O rei seria o Ditinho (presumindo que seria o D. Duarte, porque tenho as minhas dúvidas) e a rainha, nesta sequência, seria a Belita (Isabel de qualquer coisa).
Se por um lado observamos estes nomes, observemos os visuais modificados frequentemente ao nível da faca para ocultar as Verdades Genéticas ou do Envelhecimento.

Dizem que para uma pessoa se sentir bem consigo própria, tem o direito de modificar as suas Verdades como bem entender, inclusive ao nível da faca.
Por mim tudo bem. Nem cá estou para julgar.
Mas com uma Sevícia Pública de Televisão destas, nesta seca de morte que se abateu sobre mim e que originou estas constatações, a minha opção no dilema é claríssima:

Cá para mim, temos é que nos sentir bem com os nossos próprios genes, não precisar de modificá-los ao sabor da relação entre o voyeurismo e o desejo de protagonismo, que nos é constantemente estimulada.

Seca seria viver sobre esse estigma e mesmo assim, às vezes dá-me para o juízo de valor, paciência! É, por vezes tão saborosa, esta contradição...

Enfim, postulando, uma coisa é deformarmos as nossas verdades, outra, é cuidarmos de nós próprios ou misturar esses mesmos nossos genes, isto sim, é outra história bem mais interessante...

 

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