Tuesday, February 15, 2005

Sangue de Festa

Há anos, havia um ensaio sobre um palco imenso, com uma mesa enorme no seu centro.
Uma mesa desenhada e concebida para umas Bodas que mais tarde foram a cena num dos espectáculos da época local de então, até pela divisão opinativa que suscitou. Ocupei uma pequena parte na montagem que iria ser vista, e uma parte um pouco maior na engrenagem que a sustentava e aos bastidores.
A referida peça foi a cena e em todas as repetições havia um momento muito específico e especial, talvez até pelo que nela Lorca bebia em raízes comuns, nestas Bodas, e pela minha posição espectante neste preciso instante, que nunca me esqueci e que sempre me recordo da alegria terna que me suscitava. Era o momento de se preparar as mesas e ultimar os preparativos para as Bodas que se seguiriam.

Estas vozes que se elevavam no ar, levam-me directamente a natais, páscoas e aniversários da minha infância, nos quais mãe, avó, bisavó e porventura tia, se uniam nos preparativos e cujas vozes e mais simples ruídos de afazeres acalmavam a minha então incipiente masculinidade irascível. Fosse na azáfama das filhoses, dos bolos e biscoitos, do bucho cujo cheiro era perceptível pelo subtil aroma do cominho, do paio, da sopa de feijão, das saladas, do pão, do bolo torto, das picas, ou até da tola sensação da eventualidade de presentes secretos, estas vozes de azáfamas sussurradas e apenas quebradas por aquele pedido mais expresso reviveram-se durante aquele espectáculo.
Hoje, lembrei-me disto com tal intensidade...
Ao ver a repetição da segunda série de "Six Feet Under" em que mãe e filha, incaracteristicamente, deixam as tarefas para mais tarde e vão almoçar fora, para depois irem ao museu.

Apercebi-me que muito do onde venho é também o para onde quero ir.
Um dia quero voltar a ouvir estas vozes ternas que acalmam a minha masculinidade porventura irascível, mas já não incipiente. De forma alguma.
E também já não sendo as vozes as origens, mas sim resultado de geração.

Às vozes daquela festa naquele espectáculo, aquele obrigado que nunca foi dito, pois foram sem o saberem, e para mim, um verdadeiro Sangue. De Festa.

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