Thursday, February 03, 2005

CP

"Oh, minha América, minha doce terra achada!"

Em "O Anatomista"(1997), Federico Andahazi conduz Mateus Reinaldo Colombo - um verdadeiro Homem da Renascença! - na sua Diáspora em busca da sua "doce terra achada", à semelhança do seu homónimo Cristóvão.
Este Homem da Renascença, é um homem muito completo, que complementa o fulgor da busca do conhecimento e o brilho da criatividade, com os impulsos do amor e da libido, determinação objectivada pelo grande mistério que constituía a localização anatómica da "chave do amor feminino".
Esta é sem dúvida uma das muitas Diásporas a que a mente e o afecto conduziram diversos personagens ao longo da história, um daqueles mistérios que tem tanto de sedutor como de alienígena.
Trago aqui este livro neste momento, não só pelo grande gosto que tive em o ler e que tenho em lhe aceder pela memória, mas também pelo ambiente que vivemos.
Circundam-nos debates, boatos, bocas e uma materialização da infelicidade crónica que o Fado Português tão bem canta, numa busca colectiva pela "chave do amor de Portugal" que se torna quase épica.
A modernização, a desburocratização e a competitividade - entre outros factores que se tornaram adjectivos - assemelham-se aos moinhos que se transformam em gigantes para um Dom Quixote em busca da sua Dulcineia, o denominado peso do Estado num pérfido e malvado Adamastor Camoniano, e no fundo, a sensação no fundo de cada um de nós de que "os outros" são os Velhos do Restelo, agravando a ausência de brilho de viver neste país que apesar de pequeno, é invejavelmente ensolarado, bonito e dotado de uma imparidade no seu paradoxo entre variedade e uniformidade. Dessem este cantinho a uns holandeses ou a uns irlandeses, e oh!, como eles achariam imediatamente o seu "amor veneris"...

Este momento que vivemos é verdadeiramente másculo.
É de uma fragilidade máscula, como um homem que de repente se apercebe que não consegue localizar exactamente a "chave do amor" anatómica da sua amante.
Ao contrário de Mateus Reinaldo Colombo, a generalidade dos Portugueses não parece querer impor um brilho de criatividade e avidez de conhecimento em busca da sua América colectiva e individual, pois pesam em demasia a sua amargura sobre a doce terra que pisam.
Esfregam em busca, oh se esfregam inconsequentemente... em busca do Clitóris Português.

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Algumas humildes palavras jogadas, depois dessa analogia tão interessante colocada em seu post...
Uma mistura de alguns sentimentos parece fazer parte do DNA dos brasileiros (Seria uma herança portuguesa?Lendo seu blog fiquei pensando em semelhanças...): a melancolia, a nostalgia; um culto à monotonia, ao tédio; uma eterna esperança, e também um eterno desespero; o conforto como missão; uma tristeza latente, uma saudade permanente, parecem parte de uma herança “alimentada” geração após geração. A intensidade dos sentimentos e a concentração deles, presentes na literatura, na música, no coração, na alma, moveu sempre as ações de todos, mas parece que não há onde chegar. E assim, vivem num grande paradoxo, sonham com grandes realizações, mas vivem com tanta intensidade esses sentimentos que parecem impedidos de lutar, de buscar o futuro. E pensando agora na paixão de Mateo Colón pela prostituta veneziana, que o fez sair em busca do Amor veneris, e enfrentar a inquisição, penso que Hegel estava certo: "Não se faz nada de grande nessa vida, sem se estar investido de paixão". Será que não buscam pelo que sonham por não estarem imbuídos de uma verdadeira paixão?

23:44  
Blogger joao.filipe said...

Obrigado, Anonymous, pelo comentário simpático que lhe motivou o post.
Compreendo que veja algumas semelhanças, na comparação inversa que é estabelecida entre a busca de Colombo, Mateus, e a ausência de fulgor na perspectiva do futuro tão portuguesa.
Mas permita-me que discorde um pouco da extensão da presença deste DNA fatalista na "pool" genética brasileira: suponho que um argumento do tipo Fado Vs Samba é por si contrastante. Ora repare que em Portugal, exceptuando folclores de ancestralidade céltica (predominante do Tejo para cima), não temos exactamente uma música de festa, para dançar, pelo que o nosso "pimba" foi tão pródigo em clonar ritmos, compassos e "jeitinhos" da multiplcidade tradicional brasileira.
Enfim, atrevo-me a fazer esta pequena observação, de uma forma indirecta, já que ainda não tive a felicidade de poder visitar o Brasil.
E de visitar "in loco" a alegria de que todos falam.

Creio que a investidura da paixao, é sempre válida, seja de caixinha de fósforos ritmante, seja de mente em cálculos.

Mais um obrigado pela sua companhia na minha Diáspora.

19:08  
Anonymous Anonymous said...

Fiquei pensando se você não faz esse comentário pelas campanhas publicitárias dos órgãos governamentais de turismo que chegam a Portugal (assim como ao resto do mundo) sobre o Brasil...
Ao contrário da imagem do país vendida aos turistas locais e internacionais, como um cenário natural repleto de diversão para milhares de pessoas (futebol, praias, alegria e mulheres em abundância) numa espécie de versão dos filmes monumentais de Hollywood, a verdadeira vocação do Brasil me parece intimista, melancólica e mesmo desesperada. O famoso humor brasileiro tende à amargura, como uma defesa entre o que se quer e o que se consegue ser. E sem falar sobre a literatura, retendo-me somente a musica que você mesmo mencionou, ela é o reflexo desta melancolia e deste intimismo, um exemplo nítido da faceta de uma melancolia herdada do lamento dos escravos misturada com a alma portuguesa. Não me refiro apenas ao lamento inerente à voz dos sambistas mais populares como Nelson Cavaquinho (“Tire o seu sorriso do caminho / que eu quero passar com a minha dor“) ou de Cartola (“Preste atenção / o mundo é um moinho / vai triturar teus sonhos tão mesquinhos / vai reduzir as ilusões a pó “), e até às do mais contemporâneo Paulinho da Viola (que aos 18 anos já compunha falando em lágrimas, rugas e cabelos brancos), veremos que estamos bem mais próximos de um lamento do que de uma exaltação. E passando aos compositores, não há nenhuma alegria nas serestas de Villa-Lobos, e o freqüente uso, e quase abuso, dos tons menores nas canções de Antonio Carlos Jobim, um dos criadores da Bossa Nova, também não transmite extroversão, mas particularidades bem mais ocultas e íntimas. Alguma exaltação é feita por baianos ou cearenses, o que seria o equivalente a falar da porção acima do Tejo (o que me espanta é pensar que a sisudez dos holandeses possa ter trazido esse traço à musica do nordeste...risos).
Os órgãos promotores de turismo português, assim como os brasileiros, também devem fazer as suas produções hollywoodianas para a divulgação do pais aos turistas internacionais, já que aqui nos chega uma imagem bem alegre de Portugal (apesar do fado ser a única musica encontrável numa loja de discos por aqui) com festas populares onde as danças de roda com canções festivas (talvez sejam mesmo essas de influência céltica que você menciona) passam uma imagem de um país em que abunda a alegria, e claro, o bacalhau e o vinho, o que me faz imaginar que um cartaz com o ditado “A grama do vizinho é mais verde” deva estar afixado na parede dos escritórios do staff de nossos órgãos de turismo e sirva como lema nas campanhas de divulgação...

11:49  
Anonymous Anonymous said...

Nós aqui reivindicando a fatalidade...risos...
Queria falar ainda (olha eu aqui me estendendo em seu blog...) um pouco em nome do otimismo, e em referência ao “pool” de influências que mencionou: Nós brasileiros podemos não ter a pontualidade dos britânicos, ou o requinte dos franceses, ou ainda a tecnologia dos japoneses, ou mesmo a rigidez dos alemães, mas adotamos com certeza o costume da siesta dos espanhóis e a irreverência italiana e ainda trazemos conosco a alma portuguesa.

12:28  

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