Sunday, February 20, 2005

Domingueiros

Hoje é um dos Dias Mais Domingueiros que se pode observar em Portugal.
Os carros deambulam com mais de um ocupante pelas ruas das cidades, vilas e campos, vagorosamente, entre casas, cafés ou esplanadas e mesas de voto.
O silêncio lúgubre já acontece desde que se iniciou o tão propalado "período de reflexão" previsto no regulamento eleitoral.
Na comunicação social sente-se o vazio abrupto do contraste com as últimas semanas.
O estardalhaço que antecedeu este Domingo saturadamente Domingueiro deixa neste "período de reflexão" ainda mais ruído: sei lá porquê, mas no cérebro parece-me que se cria algo para contrariar esta súbita inversão.
Como reflexo, tenho uma vontade terrível de que os resultados de logo, transportem um humor subtil e profundo proporcional à seriedade que este acto eleitoral representa para os anos vindouros deste País.
Seria de rir perdidamente, como uma lufada de esperança depois deste silêncio de funeral que se vive hoje (durante o dia!, logo à noite os vencedores farão das suas..) que os resultados traíssem as expectativas de todos: sublinho de todos.

Seria um sinal de um humor bestial por parte dos portugueses, um resultado tal que por exemplo obrigasse um PS relativo com acordos com os dois (2!) partidos à sua esquerda. Ou de um PSD relativo sem no entanto, uma direita suficiente para se afirmar.
Atrevo-me a especular que seriam os cenários mais favoráveis à tão falada "estabilidade". A estabilidade real, onde se tem noção de que as instituições funcionam e de que os conteúdos programáticos realmente são implementados e discutidos nas suas metodologias (políticas) e não no objecto dos egos que os defendem. Porque uma dupla fiscalização e cuidados permite um pouco mais a que não se brinque, suponho. E a economia não precisa que sejam sempre os mesmos, como um Mobutu, precisa é que as coisas funcionem e que as opções sejam assumidas até ao fim! Isto sim, é Estabilidade.

Por último, regresso ao tal período de reflexão.
Uma reflexão, apoia-se sobre a razão. Sobre estratégias. Sobre elementos que racionalmente consigamos processar para avaliar se nos são convenientes, ou não.
Nunca se apoia sobre "o que é mau" ou "o que é bom".
Estou de facto farto que me justifiquem conteúdos programáticos com a expressão "porque é uma política boa para o país" e argumentos idênticos. Causa-me severas náuseas procurar saber porque razões querem fazer isto ou aquilo e só encontrar argumentos deste tipo: "porque é bom!"; "porque é uma boa política para o pais!". Ofendem-me a inteligência, como se achassem que existe surpresa com o facto dos autores de determinada ideia acharem-na boa!

Por estas e por outras, a este período de reflexão ignobilmente lúgubre, como se de um funeral das ideias se tratasse, deveria seguir-se um resultado de morrer a rir. Um resultado que escandalizasse os que contam com os fatos domingueiros do voto, e que acabasse com a fraude que é o apelo dogmático daquilo "que é bom" aos indecisos.
Para que de uma vez por todas, deixe de existir este sentimento Domingueiro e fatalista num dia de Eleições, que reflecte o vazio que se instalou na nossa consciência colectiva.
Um vazio como sentia em adolescente, depois de uma farra de Sábado à noite.
No Domingo.

Tuesday, February 15, 2005

Sangue de Festa

Há anos, havia um ensaio sobre um palco imenso, com uma mesa enorme no seu centro.
Uma mesa desenhada e concebida para umas Bodas que mais tarde foram a cena num dos espectáculos da época local de então, até pela divisão opinativa que suscitou. Ocupei uma pequena parte na montagem que iria ser vista, e uma parte um pouco maior na engrenagem que a sustentava e aos bastidores.
A referida peça foi a cena e em todas as repetições havia um momento muito específico e especial, talvez até pelo que nela Lorca bebia em raízes comuns, nestas Bodas, e pela minha posição espectante neste preciso instante, que nunca me esqueci e que sempre me recordo da alegria terna que me suscitava. Era o momento de se preparar as mesas e ultimar os preparativos para as Bodas que se seguiriam.

Estas vozes que se elevavam no ar, levam-me directamente a natais, páscoas e aniversários da minha infância, nos quais mãe, avó, bisavó e porventura tia, se uniam nos preparativos e cujas vozes e mais simples ruídos de afazeres acalmavam a minha então incipiente masculinidade irascível. Fosse na azáfama das filhoses, dos bolos e biscoitos, do bucho cujo cheiro era perceptível pelo subtil aroma do cominho, do paio, da sopa de feijão, das saladas, do pão, do bolo torto, das picas, ou até da tola sensação da eventualidade de presentes secretos, estas vozes de azáfamas sussurradas e apenas quebradas por aquele pedido mais expresso reviveram-se durante aquele espectáculo.
Hoje, lembrei-me disto com tal intensidade...
Ao ver a repetição da segunda série de "Six Feet Under" em que mãe e filha, incaracteristicamente, deixam as tarefas para mais tarde e vão almoçar fora, para depois irem ao museu.

Apercebi-me que muito do onde venho é também o para onde quero ir.
Um dia quero voltar a ouvir estas vozes ternas que acalmam a minha masculinidade porventura irascível, mas já não incipiente. De forma alguma.
E também já não sendo as vozes as origens, mas sim resultado de geração.

Às vozes daquela festa naquele espectáculo, aquele obrigado que nunca foi dito, pois foram sem o saberem, e para mim, um verdadeiro Sangue. De Festa.

Thursday, February 03, 2005

CP

"Oh, minha América, minha doce terra achada!"

Em "O Anatomista"(1997), Federico Andahazi conduz Mateus Reinaldo Colombo - um verdadeiro Homem da Renascença! - na sua Diáspora em busca da sua "doce terra achada", à semelhança do seu homónimo Cristóvão.
Este Homem da Renascença, é um homem muito completo, que complementa o fulgor da busca do conhecimento e o brilho da criatividade, com os impulsos do amor e da libido, determinação objectivada pelo grande mistério que constituía a localização anatómica da "chave do amor feminino".
Esta é sem dúvida uma das muitas Diásporas a que a mente e o afecto conduziram diversos personagens ao longo da história, um daqueles mistérios que tem tanto de sedutor como de alienígena.
Trago aqui este livro neste momento, não só pelo grande gosto que tive em o ler e que tenho em lhe aceder pela memória, mas também pelo ambiente que vivemos.
Circundam-nos debates, boatos, bocas e uma materialização da infelicidade crónica que o Fado Português tão bem canta, numa busca colectiva pela "chave do amor de Portugal" que se torna quase épica.
A modernização, a desburocratização e a competitividade - entre outros factores que se tornaram adjectivos - assemelham-se aos moinhos que se transformam em gigantes para um Dom Quixote em busca da sua Dulcineia, o denominado peso do Estado num pérfido e malvado Adamastor Camoniano, e no fundo, a sensação no fundo de cada um de nós de que "os outros" são os Velhos do Restelo, agravando a ausência de brilho de viver neste país que apesar de pequeno, é invejavelmente ensolarado, bonito e dotado de uma imparidade no seu paradoxo entre variedade e uniformidade. Dessem este cantinho a uns holandeses ou a uns irlandeses, e oh!, como eles achariam imediatamente o seu "amor veneris"...

Este momento que vivemos é verdadeiramente másculo.
É de uma fragilidade máscula, como um homem que de repente se apercebe que não consegue localizar exactamente a "chave do amor" anatómica da sua amante.
Ao contrário de Mateus Reinaldo Colombo, a generalidade dos Portugueses não parece querer impor um brilho de criatividade e avidez de conhecimento em busca da sua América colectiva e individual, pois pesam em demasia a sua amargura sobre a doce terra que pisam.
Esfregam em busca, oh se esfregam inconsequentemente... em busca do Clitóris Português.