Monday, November 20, 2006

Do Androids Dream of Electric Sheep?

A história de contar carneirinhos para chamar o sono nunca me convenceu. Desde criança.
Recordo-me, desde sempre, que enquanto o sono não chegava utilizava a fantasia... Fosse a de estar num pequeno barco à vela num atol ou num recife, a de possuir a maior maqueta de comboios à escala H0 do mundo, a de ser maquinista de um qualquer TGV que atravessasse toda a placa euro-asiática, a de ser um cientista que descobrisse como dar cabo de bactérias sem dar cabo de células, tantas...!
Quando me entretinha com um qualquer Tio Patinhas e surgia um qualquer simbolismo de sono, além do serrote do ressonar, frequentemente surgiam os carneirinhos a saltar uma cerca. Recordo-me de me ter forçado a experimentar contá-los uma vez em que o sono custava a chegar, fosse por excitação fosse por ansiedade. Lembro-me de ainda ter ficado mais irritado, ora não bastava ter ido para a cama forçado, como ainda por cima aquela actividade estéril e sem qualquer objectivo de contar carneiros a saltar uma vedação, era a mãe de todas as secas.

Este "formato" dos carneiros não é de todo compatível comigo. Sempre me interroguei de onde viriam aqueles carneiros, e para onde se dirigiam após cada salto, e mais: quem ou o que os submeteria à provação da obrigatoriedade de saltar aquela vedação!? Não sei se mais alguém se interrogou desta forma acerca daqueles carneiros. Não sei tão pouco qual o significado simbólico, ou a interpretação que se pode efectuar desta "metáfora" colectiva.

Mas sei que Philip K. Dick conseguiu tocar em algo muito interessante ao colocar a questão de se os Andróides sonhariam com carneiros eléctricos. Para quem não sabe ou não se recorda, é o título do conto que originou o filme "Blade Runner", realizado por Ridley Scott.

Filmes à parte, o título encerra em si todo um conjunto de questões muito interessantes.

Seres diferentes de nós, sonharão?
Se sonham, como se caracterizarão esses sonhos?
Se nós já somos tão diferentes uns dos outros, qual a validade desses "formatos" de sonho?

Afinal, está-se ou não numa sociedade de sonhos fabricados, imaginários-standard e de objectos de afecto modeláveis?

Afinal.. Do Androids Dream of Electric Sheep?

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

O teu neologismo "imaginário-standard" parece-me que realmente encerra a questão... ou apenas talvez... Nunca me ocorreria o conceito de imaginário-standard, sobre o qual o mundo se obriga. Falas-me da morte do Homem, pois o Homem sem imaginário não existe; porque o imaginário é um lugar comum do individual e único: nós partilhamos a capacidade de imaginar, mas não a forma da imaginação, nem o que é imaginado.

Quanto ao imaginário – que estou a tomar como o lugar, forma ou aquele que realiza a imaginação, ou ainda o como se imagina - podem ser carneiros a passar numa cerca, isto é, um símbolo ocidental de repetição. É que o sono é um lugar de repetição demasiado próximo da ausência. E a ausência é um equivalente de morte. Se já a repetição é morte, imagine-se o sono, onde nos entregamos totalmente ao desconhecido! Este imaginário ocidental é uma forma de controlar o medo da morte presente na repetição e ausência, parece-me. Pôr carneiros na morte - repetição/sono/ausência - , é uma forma de não morrer. Por isso a sua carga simbólica. Acho (?) que ninguém imagina carneiros, o que se faz é utilizar esse imaginário para organizar o sono, de modo a não ter medo dele. Espero que isto seja claro.

Mas não é disso que se trata.... pois tudo o resto são as electric sheep. E ir de facto contar carneiros é um electric dream ...

Somos constantemente obrigados a um imaginário-standard: é suposto ....; deve-se ..., no meio de muitas gargalhadas e sorrisos imaculadamente perfeitos. A amizade é fazer festas-surpresas e não festas-surpresas que se fazem por amizade.

O imaginário-standard de uma festa-surpresa, tal como uma em que participei há algum tempo atrás, é fazer a vida a pensar nas recordações-trade-mark que irão alimentar a semana, o mês, o ano, etc., de sorrisos e gargalhadas.

Terá havido de facto um susto espontâneo? Um salto espontâneo? É tão sereno criar o espontâneo! É isso que as festas-surpresa são - a criação do espontâneo! E o mundo assim fica controlado até no descontrole.

Mas também estavam lá outros... Outros menos standards... As manchas que retiraram a espontaneidade e obrigaram a que no futuro, quando se contar a história, haja sempre uma parte negra falada, ou uma parte obscura calada. Lá se foi o securizante imaginário-standard, que transmitia identidade. Mas as sombras que por lá andavam, perdidas, deram-lhes vida – mas isso só se aguentarem a viagem ao desconhecido! Pois ficará para sempre um desconhecido por contar naquele trade-mark mnésico, ou uma irritação para limpar - uma sombra nos seres-luz.

E só isto é que realmente fica e se pode tornar ser (identidade). É que ser humano é ter sempre um mundo de sombras a significar. O sentido é uma forma de iluminar com termóstato e sempre pelos contrastes...

Mas quem sonha com carneiros eléctricos? Os do imaginário-standard, os virtuais, os seres inexistentes, os Homens-luz, que têm tanta luz que impedem qualquer sombra de se manifestar.

Nós somos sombras que temos a capacidade de imaginar e ambicionar a luz... Mas a Alegoria da Caverna está ao contrário (esta não é minha). É na sombra que está a luz, pois só na sombra existe desejo de luz.

Eles são a luz, mas apenas luz. Luz que se condena à fonte de alimentação - a esplendorosa energia do Nada, porque é tão imediata que se pode consumir na totalidade, em cada marca do tempo. Depois recupera-se ocasionalmente, para aquecer o gelo de não-ser, nalgum resquício vago de memória, que se esgota a si mesma... entretanto uma nova luz tem de ser criada.

Agrada-me "Imaginario-Standard", o nome que se anula a si próprio, a luz que tudo apaga. Agrada-me muito.

S.C.T.

12:49  
Anonymous Anonymous said...

Vale como hino ao sonho (assim como vale para teu post anterior, sobre objetivos): http://www.youtube.com/watch?v=sdUUx5FdySs&NR

13:51  

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