Friday, November 19, 2004

Marocas, o Profeta.

A chamada Geração de Abril, de um modo lato, tem-se encontrado um pouco à margem de uma reflexão crítica endógena, mais culturalmente enriquecedora do que se deixada para os historiadores depois de desaparecida, dispersa pelas campas, jazigos e homenagens póstumas e conciliatórias.
E bem que Pê precisa!
Entre a esquiva a uma discussão séria e abrangente sobre o que se passou desde há 30 anos, e o desprezo pelos inconsequentes lamentos de certos sectores sobre as nacionalizações, expropriações, ocupações, descolonizações e afins, é-nos prevista uma orfandade segura para o futuro.
O lamaçal 24-D é uma consequência directa, fazendo-nos intrigante e repetidamente relembrar aquela velha máxima de Malatesta: "O fascismo far-vos-á amar a democracia". Os extremos ideologicamente vazios mas perigosos, formam-se à sua volta com o terreno fértil de 30 anos passados de quase-nulidade de desenvolvimento e modernização quer educacional, quer cívica.
Quero dizer com isto que desdenho as conquistas de Abril? Não, mas sem dúvida que as des-sacralizo(!), pois essa revolução apesar de gira, oprime-me e sufoca-me, com o esvaziar das discussões com argumentos comparativos a uma outra Senhora da qual faço parca ideia. Curiosamente, todos pactuaram com essa minha pobre ideia, já que uns colocaram repetidamente o 25-A para o final dos programas de história no liceu, e outros deixaram que isso acontecesse. Talvez por falso consenso? Não sei. O facto é que este hiato tem vindo a permitir às gerações que frequentaram as escolas da década de oitenta para cá, que se distanciem da base da formação cívica de um povo ou entidade cultural:
De ONDE VIMOS, para contextualizar o ONDE ESTAMOS e nos ajudar permanentemente a criar o para ONDE QUEREMOS IR.

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Se encararmos uma correlação dinâmica entre estas três variáveis interconstringentes, veremos que:

1) Se asfixiamos ou sobrevalorizamos a presença do passado na cultura, alteramos significativamente o contexto de presente e o fluxo das ideias para o futuro.
2) Se não criamos nem desenvolvemos ideias para o futuro, o contexto de presente torna-se supérfluo e reduzido ao acessível e imediato. O passado é então ainda mais reduzido, ou então desproporcionalmente sobrevalorizado como compensação dos vazios socio-culturais.
3) Se o presente não é participado nem contextualizado de uma forma clara e realista, os subsequentes desequilíbrios do passado e do futuro fazem-se sentir.

Estes equilíbrios tão caros aos Portugueses na sua já longa história, repetem-se de uma forma intrigante. E repetiram-se novamente após a orgia de discussão dos verões quentes (foi só um? risos...), com alguns ecos idiossincráticos que duraram poucos mais lustros, mas de repente, olhando os sucessivos presentes que formam o meu passado, fico com a sensação de que é "preciso enterrar o passado". O da outra Senhora, e o do 25-Abril, excepto no que toque às cerimónias, homenagens, e palhinhas para se comprar mais uma casa no Algarve.

Mário Soares tem toda a razão quando fala em "revoltas descontroladas".
Mas não se processam como ele as concebe.
Estas revoltas já estão em curso, quer com o veludo narcisista (ou narcísico?) do assalto ao poder como materialização da realização de vida por parte de gente que nunca fez outra coisa, nem acerca da qual se lhes conhece competências fora dos exercícios de poder/vontade de poder, quer com as tais "minorias descontroladas", estas pseudo-direitas e pseudo-esquerdas de Aparência em detrimento de seriedade na discussão do PARA ONDE QUEREMOS IR.
Estas revoltas já estão em curso com a pasmaceira de 24-D ébria em pseudo-classes média e alta, fechadas no presente imediato do consumismo, no passado conformista do "já fomos os melhores" e num futuro vago entre a Europa e a América sem se perceber no que é que afinal Portugal se pode diferenciar.
Estas revoltas terão eventualmente direito a prolongamento, quando os filhos destes 24-D não tiverem pudor em questiona-los e às razões de os terem posto neste mundo cada vez mais complexo.

Este Mário Soares tem a razão no target da sua crítica.
Mas como a água da chuva, falha o algeroz e derrama-se do telhado, mas indo sempre acabar na sargeta.
Dê por onde der.
Sempre foi assim este tipo de sabedoria, a que acerta nos resultados por caminhos que não passaram pela cabeça do próprio nem de ninguém.
A Sabedoria dos Profetas.

1 Comments:

Blogger joao.filipe said...

Pois é.

Quem me conhece sabe bem que sou uma pessoa de bem, e também de esquemas.
Creio ser honesto em reconhecê-lo transparentemente.
Aproveitando o âmbito, é claro que creio ter potencial para ser até bem pior do que Paulo Portas na campanha contra Santana.
Mas também tenho a escolha de não o ser.
É por isto mesmo que creio conseguir posicionar-me criticamente quanto a estes.

Uma Diáspora Política nunca pretendeu ser uma fonte de virtudes, um "mobiliário urbano" da Rua da Rectidão ou qualquer modelo socio-político-cultural do "correcto".

Não é um "blogue" da moda, qual encruzilhada de referências que dão demasiada amplitude à discussão/consideração/opinação, numa entorpecência do foco fino da mente e dispersão das mini e pré-sistematizações do raciocínio pela quase esquizofrénica multiplicidade de fontes de informação.

É um "sítio" para as Diásporas que surgem na mente.
Por isso mesmo também dá às vezes para esquemas e correlações de variáveis transpostas de forma visual frisando o texto escrito.

O contrário seria como, diria o outro, tentar contextualizar no seu âmbito uma derivada de um vector por extenso, quantificar prosaicamente um equilíbrio químico, poetizar com métrica renascentista uma perspectiva tridimensional de um molde de plástico, usar uma descritiva à Eça para definir as camadas de Van Hallen, ou investigar a fusão nuclear através da cadência dramática entre o trítio e o deutério como se fosse um Dostoyevsky a relatá-lo..

É óbvio que tudo se poder fazer.
Ou não?
Será que o inverso da condição ambicionada no parágrafo aparentemente disparatado será mais realista?

Como refiro em E os agressores?, basta um pouco de ciência para às vezes dar um "twist" no hábito estagnado. Um pouquinho só...

Obrigado, Alirka, pelo lançamento da questão que o comentário suscitou.

Quanto às portas, estas, nem de ciências!... quanto mais... H... onestas!

...e sê bem vinda à minha Diáspora, onde pode dar para tudo!
Obrigado!

14:19  

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