Wednesday, October 20, 2004

Segmentos

Um exercício interessante que se pode fazer quando se aborda um assunto, é o de perspectivar a actualidade deste de acordo com as origens. Identificar uma linha temporal, que em maior ou menor grau permita uma certa distanciação do momento e consequentemente uma análise crítica do assunto, que confere maior honestidade à referida abordagem.
O caso presente da teorização à volta do conceito de Serviço Público de Televisão (SPT) é paradigmático nesta perspectiva.
Refazendo sinteticamente a linha temporal dos acontecimentos desde o fim do consulado Rangel na RTP, pode-se afirmar que a questão é abordada pelas responsabilidades com leviandade, grande novidade, posteriormente colmatada com um grande trabalho discreto de profissionais, interessados e afins do meio. A restruturação que ainda está em curso na RTP resulta desse esforço de certa forma "subterrâneo".
Ataque cerrado e ao "status quo" da RTP de então, seguido de despedimento milionário de Rangel e alguns afins, após o que logo se sucedeu uma autêntica "dança das cadeiras" na informação e a instalação da nova administração. Após as turbulências inflamadas iniciais, os profissionais deitaram mãos à obra e consolidaram de certa forma os objectivos já então não eram novos. Neste momento surge novo ataque cerrado, desta feita, à responsabilidade da grelha de programação.
Muito mais grave do que a marcelice que vivemos nas últimas semanas.
Do painel de reflexão que foi então composto para a redefinição do tal "SPT", nem pio, onde param as conclusões? Em que medida foram ou não aplicadas? Ainda assim, seja mérito atribuído a algumas consolidações conjunturalmente assinaláveis, nomeadamente financeiras e de grelha.
De A DOIS, as novidades são as que se conhecem, sendo a mais assinalável a diminuição de qualidade e duração do noticiário nocturno. Substitui-se uma suposta viagem à volta ao mundo para cada espectador de Acontece, por outra mais rejuvenescida. E (quem sabe?) por outras mais ainda. A designada "participação cívica" no canal ainda está muito incipiente, apesar de crescente. Mas efectivamente, na generalidade dos dois canais, diminuiu consideravelmente a carga de publicidade. O que é bom.
A ideia de independência de um meio de comunicação de capitais públicos oscila facilmente entre a perspectiva corporativa e a politizada. Neste momento, o fiel da balança está a ser forçado. Certamente que - após este ataque cerrado - as cadeiras dançarão novamente, na programação, na informação e na administração. Novamente os profissionais terão que contribuir com o seu trabalho semi-silencioso para colmatar estes segmentos de ideias esparsas lançadas irresponsavelmente sobre os visados.
É a perspectiva da nova direita: é assim que se invade um Iraque por razões dispersas e de rigor no mínimo questionável, que se envia o "poderio militar naval" Português para vigiar as Women on Waves ou dar um "chega para lá" a um petroleiro carregado de crude a afundar-se (e fiar-se depois na Virgem e no São Pedro), e que neste chorrilho de ideias sem fio condutor de objectivos - quanto mais estratégia - se chega ao ponto de afectar levianamente a empresa pública mais próxima do Portugueses do que qualquer repartição: a RTP.
São Segmentos de ideias que surgem de lá do fundo obscuro de um espírito decerto ainda mais perturbado que o meu.
São Segmentos de moralidades e juízos de valor dispersos.
São Morais Segmentos.
Pê.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home